- Mariana Bacigalupo Martins

- 29 de nov. de 2024
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Atualizado: 22 de jan.

Conhecer e identificar os diversos aspectos desse momento de vida é importe para enfrentá-lo com saúde compreendendo que os comportamentos associados a esse ciclo vital fazem parte de um processo maior de integração e individualização.
A adolescência é entendida como um período cronológico da vida, mas também como um processo de transformações comportamentais e fisiológicas que geralmente ocorrem nos meninos e meninas entre os 12 e 18 anos de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O marco inicial do fenômeno adolescência deve ser compreendido em suas múltiplas faces: surgimento da puberdade, mudanças comportamentais, familiares e ambiente social onde se insere o adolescente.
A adolescência é marcada pelas mudanças corporais e ritos de passagens nas sociedades antigas
Nas sociedades antigas, no surgimento das primeiras civilizações, a adolescência não era tida como um fenômeno psicossocial. O que determinava a passagem da infância para a vida adulta era o surgimento da puberdade, ou seja, as mudanças corporais típicas da adolescência. Este período também conhecido como “Rito de Passagem” estudado por antropólogos como Margaret Mead era caracterizado por um ritual em que o púbere era submetido aos mais variados ritos que podiam variar conforme a sociedade.
Na Grécia antiga os jovens ao chegarem à puberdade precisavam dar uma demonstração de coragem e ousadia que consistia em provocar a morte de um “ilhota” (escravo). Na civilização Romana o rito de passagem se dava quando surgiam os pelos nos meninos e a menarca nas meninas. O jovem recebia uma túnica no qual era reconhecido como ingressante na vida adulta. Já as meninas o rito consistia em identificar quando ocorria a primeira menstruação. (Muss:1989).

A ideia de identificar a passagem da infância para a vida adulta perdurou até o início do século XX. Em 1908 o médico norte-americano George Stanley Hall publicou um estudo que tratava dos aspectos comportamentais típicos da juventude - a chamada adolescência. (Colli: 1990). Os autores estudados apontam que os fenômenos da puberdade e da adolescência interagem e são igualmente importantes e interdependentes. Abordam a adolescência como um fenômeno biopsicossocial que não está dissociado do ambiente familiar, comunitário e até societário. Na Sociologia bem como na Psicologia o fenômeno da adolescência só pode ser compreendido nas suas múltiplas variáveis. As estruturas sociais e a vida social determinam e são influenciadas pelo referido fenômeno.
Aspectos da adolescência pelos autores Arminda Aberastury e M. Knobel
No livro intitulado Adolescência Normal, Arminda e M. Knobel discorrem acerca de alguns aspectos psicológicos dessa fase do desenvolvimento descrevendo sintomas típicos. O primeiro aspecto abordado é sobre a identidade.

Os autores entendem que a identidade é o momento onde se internaliza um self, isto é, um símbolo das características orgânicas em um todo biopsicossocial. Dizem ainda que o conceito vai se estabelecendo através de mecanismos psicológicos de projeção e introjeção que possibilitam a formação do autoconceito. Citando Erickson, mencionam o conceito de “moratória psicossexual” que são identidades transitórias frente a novas situações onde o indivíduo experimenta papéis sociais até a posterior definição da personalidade. Em relação à identidade os autores dizem que na adolescência esta é alcançada na medida em que haja uma separação das figuras parentais internalizadas e aceitação de uma identidade independente. Esclarecem que neste processo ocorre micro depressões que implicam em estruturações mais permanentes e progressivas e sentimentos de despersonalização relativos à elaboração da identidade e aponta que boas experiências infantis podem favorecer a integração do ego.
Outra característica diz respeito à tendência grupal onde há uma busca pela uniformidade que pode propiciar segurança e estima e que às vezes a identificação ao grupo é tão intensa que se torna quase impossível a separação do indivíduo mais até do que do grupo familiar. Dizem que as atuações do grupo podem representar uma maneira ativa de se opor a identidade familiar e fala que o fenômeno grupal facilitaria uma conduta psicopática normal e não cristalizada caracterizada pelo desafeto, pela indiferença, crueldade e falta de responsabilidade produtos do papel infantil que se está perdendo.
Aberastury e Knobel elencam a necessidade de intelectualizar e fantasiar como um mecanismo defensivo frente às mudanças do corpo e do mundo externo ligando fenômenos instintivos a conteúdos ideativos, fazendo-os acessíveis a consciência e, portanto mais fáceis de controlar. Segundo os autores, a fuga para o mundo interior seria como um autismo positivo que permitiria um reajuste emocional e é em decorrência deste fenômeno que surgem as atividades artísticas, as novelas, as teorias filosóficas e o envolvimento com movimentos políticos.
Quanto à religiosidade esta oscila entre o misticismo fervoroso e o materialismo extremo, que segundo ela são posições idealizadas visando uma continuidade da existência de si mesmo, frente a angustia da perda das figuras parentais internalizadas, ao ego corporal e a aceitação da morte.
Descrevem que na adolescência o tempo e o espaço são vividos de forma particular onde passado, presente e futuro são equiparáveis e coexistem sem dificuldades. Ocorre o que os autores chamam de deslocalização temporal onde o adolescente não discrimina o tempo e tudo se converte em um tempo presente, um objeto, na tentativa de manejá-lo. Eles lembram que nesse ciclo vital as urgências são enormes e as postergações são irracionais e que deixar os objetos no passado depende da aceitação de perdê-los e do luto que se faz deles para prospectar um futuro.
Segundo Aberastury e Knobel, a sexualidade evolui do autoerotismo para a heterossexualidade, do caráter exploratório e preparatório para a genitalidade procriativa quando o adolescente assume a identidade sexual. Dizem eles que essa identidade depende da cena primária e da imagem psicológica que o indivíduo possui das figuras parentais.

As mudanças físicas produzem angústia e modificações no esquema corporal e a possibilidade da concretização do ato sexual reativa as fantasias edípicas que permaneceram latentes. Muitas vezes vínculos intensos acontecem, como no caso do apaixonamento, mas esses vínculos tendem a ser temporários e fala sobre o processo psicossocial da bissexualidade e da homossexualidade numa flutuação de papéis até que a escolha de objeto se torne definitiva. Os autores fazem uma crítica à simplificação de que todas as características do adolescente seriam provenientes das mudanças psicobiológicas e diz que grande parte delas é determinada pelo meio social e que as dinâmicas psicológicas se expressam de acordo com o padrão cultural. Aduzem que em muitas culturas a adolescência é vista com hostilidade em virtude da conflitiva edípica e para se lidar com isso, criam-se estereótipos procurando isolar fobicamente os adolescentes dos adultos.
Falam que os ritos de iniciação são diversos nas culturas, mas possui a mesma base, qual seja a rivalidade que os pais do mesmo sexo sentem ao ter que aceitar os filhos como iguais e admitir que possam ser substituídos por eles. Ainda apontam que o meio impõe restrições à atividade e à força reestruturadora e diante disto a atitude social reivindicatória neste momento de vida se torna quase imprescindível, pois é como se o mundo dissesse que o adolescente precisa se adaptar aos ditames da mediocridade e se acomodar levando-os a realizar façanhas heroicas no crime ou na delinquência.
O comportamento do adolescente pode se equiparar a atitudes psicopáticas pelo caráter violento e reivindicatório por uma sociedade melhor e entendem que o ódio e a destrutividade podem estar associados à expectativa de que a sociedade exerça o mesmo papel dos pais infantis negando a separação e o luto destas figuras.
A presença internalizada de boas imagens parentais com papéis bem definidos e uma cena primária amorosa são indicadas no texto como aspectos que favorecem a separação progressiva dos pais. Contudo, figuras parentais não estáveis e pouco definidas podem parecer desvalorizadas e obrigar a procurar identificação em personalidades mais consistentes em um sentido compensatório ou idealizado como, por exemplo, a identificação com ídolos e ocorre a projeção das relações incestuosas em heróis reais ou imaginários, em professores ou em companheiros mais velhos.
Concluindo, os autores abordam a questão das flutuações de humor e mudanças do estado de ânimo que acompanharão permanentemente o adolescente e que estão relacionadas à frustração da realização das necessidades instintivas básicas que podem levar a um comportamento depressivo de refugio em si mesmo ou ao comportamento psicopata com a necessidade de atuar os instintos por ser penoso ao indivíduo uma elaboração depressiva das situações. Explicam que aceitar uma normal anormalidade do adolescente não implica em situar um quadro nosológico, mas tem por objetivo facilitar a compreensão deste período da vida.

Aspectos da adolescência por Erik Erikson
Erik Erikson (1987), propõe que o processo de desenvolvimento humano se dá ao longo de toda a vida e cada etapa suscitará uma crise a ser superada positivamente ou negativamente a partir das relações afetivas estabelecidas e influências institucionais, socioculturais, históricas e biológicas. Nesse sentido na visão do referido autor o indivíduo é resultado do entrecruzamento destes elementos.
A adolescência é a fase em que o sujeito revive as fases anteriores e se projeta para o futuro, o que possibilita mudanças significativas ainda que tenha passado por privações nas primeiras etapas do desenvolvimento, sendo esta a razão de ser destacada das demais fases da vida.
A seguir abordaremos sucintamente os estágios psicossociais propostos pelo autor desde o nascimento até a adolescência:
- Confiança x Desconfiança (de 0 a 2 anos)
Na primeira etapa de vida, o bebê recém-nascido estabelecerá com suas figuras de referência uma relação de dependência para a satisfação de suas necessidades básicas. A partir desta experiência irá adquirir ou não a habilidade de confiar no ambiente ao seu redor.
- Autonomia x Vergonha e Dúvida (1-3 anos)
Durante este estágio, a criança aprende a comunicar-se, mover-se de forma independente, manipular objetos entre outras habilidades que serão imprescindíveis para constituição de sua autonomia. Se o ambiente não reconhecer estes esforços ou criticar severamente estas manifestações, o infante passará a duvidar de si mesmo e dificilmente ousará tomar iniciativas. A vergonha é expressa neste estágio como não querer ser visto. As birras e o choro, inerentes nesta etapa testemunham a sobrecarga emocional.
- Iniciativa x Culpa (3-6 anos)
Esta fase é marcada pela inscrição cultural, onde as regras são estabelecidas e a grande questão nesta etapa é alinhar o próprio desejo às pessoas ao redor. O bem-estar do outro passa a ser levado em consideração, bem como o estabelecimento da moral.
- Diligência x Inferioridade (6 anos até a adolescência)
Período de latência, nesta etapa as crianças são muito produtivas e criativas uma vez que colocam em pauta suas potencialidades, recebendo ou não o reconhecimento por seus esforços, o que será de suma importância na constituição de sua identidade e autoestima. O risco inerente nesta etapa é que, na falta de confirmação do ambiente, a criança poderá acreditar que está falhando e desenvolver sentimentos de inferioridade.
- Adolescência
Esta fase foi amplamente estudada por Erikson por ser a fase mais crítica do ciclo da vida. A crise existencial muito embora seja propícia nesta fase, poderá ocorrer em outros momentos da vida humana considerando que o indivíduo é mutante e está em constante busca de sua identidade.
A adolescência compreende um período de surto de crescimento, mudanças biológicas e hormonais. Nesta época o indivíduo começa a duvidar de todas as referências que obteve no decorrer de sua vida, favorecendo as mudanças tendo em vista que resignificará as vivências anteriores visando uma melhor compreensão de sua vida possibilitando a construção da própria identidade ao integrar o passado e o futuro através de uma recapitulação de todas as etapas anteriores de sua vida e antecipação do vir a ser.
A autoimagem construída durante a infância então passa a ser questionada criando uma crise interna, como se fosse uma metamorfose. Neste momento caso o indivíduo não tenha estabelecido com seu entorno relações satisfatórias, poderá reviver estas experiências de outra maneira reconstruindo o conceito de si desenvolvendo um caráter sólido e uma individualidade equilibrada, sendo esta a razão desta etapa obter destaque na teoria de Erikson.
Aspectos da adolescência por Winnicott
Nos anos 1960 Winnicott realizou estudos sobre a adolescência, num contexto histórico em que esta faixa etária passa a ser percebida como uma fase importante do desenvolvimento humano. O autor fala desta fase do desenvolvimento, assim como em outras fases, sob o viés da saúde e não da doença.

Winnicott divide o desenvolvimento humano em fases de amadurecimento emocional, num processo contínuo do desenvolvimento emocional e sua influência nas diferentes etapas do desenvolvimento. Entende a adolescência como uma fase em que os jovens têm que lidar com questões como a transformação do corpo, a mudança na capacidade sexual e a organização de defesas contra as ansiedades características desta fase. Para este autor, embora o ambiente desempenhe um papel de importância no desenvolvimento emocional do indivíduo, destaca como sendo de extrema importância na fase da adolescência. Afirma que muitas dificuldades que os adolescentes vivenciam derivam das condições ambientais inadequadas.
Outro aspecto característico da adolescência para o autor é a alternância ou a coexistência entre a rebeldia em busca da independência e a regressão à dependência. Aponta o isolamento do jovem como outra característica desta fase do desenvolvimento emocional. Para Winnicott os adolescentes são indivíduos isolados “que procuram se agregar por meio da identidade de gostos”. Destaca também que o isolamento característico destes jovens tem importância relevante em suas experiências sexuais, além da indecisão da identidade sexual de cada indivíduo.
Em sua obra “A família e o desenvolvimento individual”, pág. 118 destaca quanto às experiências sexuais que marcam esta fase: A constante atividade masturbatória, nesse estágio, pode constituir uma maneira de ver-se livre do sexo, e não uma experiência sexual; e as atividades homossexuais ou heterossexuais compulsivas podem servir ao mesmo propósito ou como forma de descarregar tensões, antes de representarem formas de união entre pessoas humanas integrais. Nessa obra fala da importância de se perceber as necessidades manifestadas pelos adolescentes: A necessidade de evitar a falsa solução. A necessidade de sentir-se real, ou de tolerar a absoluta falta de sentimento. A necessidade de ser rebelde num contexto que, confiadamente, acolha também a dependência. A necessidade de aguilhoar (no sentido de incitar) repetidamente a sociedade de modo que o antagonismo desta faça-se manifesto, e possa ser rebatido por um contra-antagonismo.
Aponta a importância de a sociedade compreender e respeitar o tempo de adolescer e não acelerar este processo, sob o risco de termos adultos emocionalmente imaturos ou insuficientemente saudáveis. Nos seus estudos se verifica a relação apontada pelo autor “entre as dificuldades normais da adolescência e o estado anormal a que se pode chamar tendência anti-social”.
Discorre sobre a diferença entre os problemas da adolescência e a tendência anti-social em que a dinâmica é proveniente de uma privação acarretando a persistência de uma série de dificuldades e a carga excessiva de defesas. Nas dificuldades normais da adolescência esta privação ou carência não é rígida e difusa e não exige muito das defesas. Cláudia Rocco, in Contribuições da Teoria do Amadurecimento ao Adolescente Privado de Liberdade – Cap. III, afirma que para Winnicott “No período da adolescência o entorno familiar, os limites bem definidos, o ambiente acolhedor e facilitante são fundamentais para que o jovem experiencie sua vida espontaneamente...” permitindo que o mesmo enfrente estas dificuldades sem prejudicar seu desenvolvimento emocional.
Concluindo, conhecer e identificar os diversos aspectos desse momento de vida é importe para enfrentá-lo com saúde compreendendo que os comportamentos associados a esse ciclo vital fazem parte de um processo maior de integração e individualização.
O texto acima é parte do trabalho fruto do grupo de estudos sobre FAMILIA e publicado no CADERNO DOS GRUPOS DE ESTUDOS TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Serviço Social e Psicologia Judiciários, Número 16. SÃO PAULO 2019. DESACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DO ADOLESCENTE E SEU RETORNO À FAMÍLIA
REFERÊNCIAS
ABERASTURY, A.; KNOBEL, M. A adolescência normal. Porto Alegre: Artmed. 1981.
BRASIL. Constituição da República Federal do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. ______. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, Seção 1, 1988.
BOWLBY, J. (1998). Apego e perda: separação – angústia e raiva. São Paulo: Martins Fontes. (original publicado em 1973). BRONFENBRENNER, U. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
COLLI, Anita S. (org.). Tratado de Adolescência. São Paulo: Manole, 1990.
ERIKSON, E.H. Infância e Sociedade. 2° Ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1987.
ROCCO, C. Contribuições da Teoria do Amadurecimento de D. W. Winnicott para o Atendimento Socioeducativo ao Adolescente Privado de Liberdade. Dissertação de Mestrado em Psicologia, PUC/SP, 2010.
WINNICOTT, D. W. A Família e o Desenvolvimento Individual. Martins Fontes. 2005. WINNICOTT, D. W. O Brincar e a Realidade. Imago Rio. 1975.
